Entrevista com Roque Ferreira, ex-vereador de Bauru (SP)

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Roque Ferreira atuou como radialista em emissoras locais, foi eleito vereador pelo PT em Bauru em 2008 e reeleito em 2012, posteriormente deixou o PT e se filiou ao PSOL. Ele participou efetivamente dos protestos de 2013 e de 2016, na cidade.

Quando você participou dos protestos de 2013 quais pautas você estava demandando?

Em junho de 2013 ocorreram duas manifestações em São Paulo contra o aumento das tarifas de transporte. Os atos começaram no dia 6 de junho, uma quinta-feira, em razão do aumento de R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus. À medida que a PM do Estado de São Paulo reprime com violência sem igual o segundo ato contra o aumento da tarifa, as manifestações além da pauta específica dos transportes passam a ter pautas difusas. No dia 13 de junho, nos atos e passeatas já se ouvia a palavra de ordem “não é só pelos 0,20 centavos” e o movimento começa a dar um giro. Neste giro entra em cena o MPL — Movimento Passe Livre — com a consigna do “sem bandeira, sem partido”, momento em que acredito que por não possuir uma liderança central e não criarem uma agenda coesa de reivindicações, espaços foram abertos para o “ninguém me representa”. Haviam vários agrupamentos que de forma autônoma disputavam a liderança. O Movimento Passe Livre, O Anonymous BR, grupo de hackers e ativistas, mas nenhum deles reivindica para si esta direção.

Qual leitura você faz desses acontecimentos de 2013?

Fazer um balanço completo de junho de 2013 não é uma tarefa fácil. Num primeiro momento de fato houve uma reivindicação específica e concreta, com uma forte adesão popular por conta da repressão exercida contra os manifestantes. À medida que crescem as manifestações as demandas específicas vão perdendo espaço para agendas mais difusas e conservadoras, e se alimenta a repulsa contar as organizações tradicionais da classe trabalhadora, como partidos, sindicatos e movimentos sociais. O que demonstra, por exemplo, que estas organizações já não conseguiam canalizar e organizar essas reivindicações. Isso fez com que já em julho, o movimento tivesse sido confiscado pelos setores mais conservadores que levou ao abandono das reivindicações iniciais, e o foco passou a ser o ataque ao governo federal via blackout de caminhoneiros, ataque ao programa mais médicos etc.

Você acredita que a partir desse momento algo mudou na organização política da juventude brasileira?

A juventude não se reconheceu em organizações como a UNE, nos partidos de “esquerda”, principalmente o PT, o que mostra o quanto estas organizações se afastaram da juventude. As formas de organização incorporaram experiências como o horizontalismo, o movimentismo, principalmente dentro das universidades que concentra os extratos da juventude de classe média e média alta. Já a juventude pobre, negra e proletária por ser mais homogênea sob o ponto de vista da vida concreta tem formas diferenciadas de organizações que se expressam no Hip Hop, Funk, etc. O que posso afirmar com certeza, que a juventude está afastada das organizações políticas, o que considero ruim, pois sem a juventude estas organizações da classe trabalhadora tendem a se fossilizar.

Quais formas de comunicação ajudaram a estimular e organizar o movimento em 2013?

Em um primeiro momento as redes sociais foram muito importantes, assim como as convocações diretas em escolas e faculdades. Os próprios veículos de comunicação ao tentar criminalizar os atos acabou de certa forma contribuindo para as mobilizações. Os sindicatos e movimentos sociais usaram suas redes e meios de comunicação para as convocatórias.

As publicações da imprensa empresarial exerceram qual função durante esse período de 2013?

Os veículos de comunicação desempenharam um papel importante ao longo de todo esse processo. Num primeiro momento como de praxe atacaram as manifestações justificando a violenta repressão. À medida que ocorria uma inflexão para as pautas conservadoras, passaram a convocar os atos, mas não deixando de criminalizar os movimentos, ao fazer uma “diferenciação” entre os que se manifestavam pacificamente e os que procuravam o confronto com policiais e demais agentes de segurança, para justificar as ações violentas dos aparatos repressivos.

Você acredita que a internet pode ser um instrumento para democratização do poder comunicacional?

Não, temos a impressão por conta do acesso às redes sociais que pode existir esta “democratização”, mas tudo está sob controle das grandes corporações e dos governos que podem intervir e controlar seu uso. É um terreno onde é “mais fácil” estabelecer processos de comunicação mais independentes, com a produção de conteúdo mais independente, mas neste momento, os grandes meios de comunicação possuem o controle e a hegemonia sobre todo o processo de comunicação e informação.

Quando você participou das ocupações de 2016 quais pautas você estava demandando?

As ocupações de escolas começaram a ocorrer em 2015 pelos secundaristas principalmente em São Paulo, onde mais de 200 escolas foram ocupadas em protesto contra a reestruturação do sistema educacional estadual, que previa o fechamento de quase 100 escolas e o remanejamento de 311 mil alunos e 74 mil professores. Frente a estes protestos o governo Alkimin do PSDB/SP foi obrigado a recuar, e em 2016 as ocupações prosseguiram incorporando também a questão da merenda em razão do esquema da máfia da merenda.

Que leitura você faz desse momento de ocupações em 2016?

As ocupações das escolas pelos secundaristas levantaram uma questão fundamental sobre o ensino médio no país, que vem sendo destruído pelos governos estaduais, e que afeta a juventude entre 15 e 18 anos. Essa massa percebeu, que a defesa da escola pública de qualidade deve estar no centro de suas ações, isso levou pais e um bom número de professores a terem a compreensão que as demandas levantadas são estratégicas para evitar a destruição do ensino médio.

Que leitura você faz das formas de comunicação alternativas em 2016, como páginas no Facebook nas quais os próprios estudantes criavam seus conteúdos?

As redes sociais foram muito importantes neste processo de mobilização e ocupações, pois havia os núcleos de comunicação onde eram elaboradas as informações, convocados atos e mantidas relações com outras escolas. Os estudantes tomaram para si esta responsabilidade e o fizeram, pelo menos, nas experiências que acompanhamos com muita eficiência.

O poder comunicacional quando está nas mãos dos militantes gera efeitos na organização das manifestações?

Com certeza, por isso é importante em qualquer movimento ou ação que a comunicação tenha um lugar estratégico.

As publicações da imprensa empresarial exerceram qual função durante esse período de 2016?

Os grandes meios, como regra, a função de criminalizar, condenar e desqualificar os movimentos.

O engajamento da juventude na política pode promover mudanças? Quais?

Primeiro é importante destacar que a política é uma arte nobre. Existe uma diferença brutal entre política e politicagem que é esta podridão que vemos todos os dias. Fazer política é assumir a tarefa de “revolucionar” a vida. Participar de Centros Acadêmicos, DCEs, Grêmios, Sindicatos, Partidos e Movimentos. A renovação se faz pela juventude, que como afirmou Trotski, “está livre de toda responsabilidade pelo passado”. Devemos inspirar à juventude confiança em suas próprias forças e em seu futuro. Apenas o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem assegurar os primeiros sucessos na luta; apenas esses sucessos podem fazer voltar ao caminho da revolução os melhores elementos da velha geração. “Sempre foi assim. Continuará sendo assim”.

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Mídia Radical x Mídia Empresarial
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Written by Mídia Radical x Mídia Empresarial

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Divulgação das entrevistas do protejo de iniciação científica, cujo objetivo é comparar as coberturas de protestos feitas pelas mídias radicais e empresariais.

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