Entrevista com Renata Mielli, secretária geral do Barão de Itararé

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Renata Mielli é Secretária Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Coordenadora Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Como foi criado o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé?

O Barão (de Itararé) foi criado após a primeira Conferência Nacional de Comunicação que foi promovida pelo Governo Federal em 2009, na gestão do presidente Lula. A sociedade civil, movimentos sociais, organizações, gestores públicos e empresários do ramo da comunicação se reuniram para discutir os vários temas agenda da comunicação, desde radiodifusão, radiodifusão comunitária, internet e uma série de eixos. Depois dessa Conferência alguns movimentos sociais e ativistas, principalmente comunicadores sociais e blogueiros, que construíram uma mídia alternativa perceberam que era importante organizar uma entidade, que tivesse a missão de lutar pela democratização da mídia e discutir medidas para fortalecer a mídia alternativa. Em 2010, essas pessoas se reuniram e fundaram Barão de Itararé.

O Barão de Itararé é uma Organização Não Governamental, é constituída por uma diretoria pequena e tem um conselho consultivo gigantesco, que é composto por pessoas dos mais amplos ramos e atividades intelectuais. Pode-se consultar no site do Barão o nosso conselho deliberativo, nossa diretoria é formada, até pela legislação que nos obriga a compor cargos hierarquizados, então há um presidente, uma secretária geral, uma secretaria de finanças, um secretário de comunicação. Mas o funcionamento e as decisões são formadas de forma horizontal, é uma organização plural e tem jornalistas, a maioria de nós é jornalista, eu sou jornalista. Mas isso é uma coincidência nem sempre foi assim, procura-se sempre ter representantes de alguns movimentos sociais, a gente tem um diretor que é ligado a Central Única dos Trabalhadores.

Por que há a necessidade de democratizar a mídia corporativa no Brasil?

O Brasil tem um cenário de um oligopólio privado dos meios de comunicação, talvez seja um dos países com a maior concentração de mídia do mundo. A história da comunicação no Brasil, principalmente da radiodifusão, é marcada por uma opção do estado brasileiro de ceder ao setor privado econômico a exploração de um serviço público que é a radiodifusão aberta. A frequência eletromagnética pela qual circula o sinal de televisão e rádio que chega em nossas casas é um bem público. Segundo a nossa constituição, deveria ser gerida pelo Estado desde sempre, mas o Brasil optou por um modelo norte-americano de ceder essa frequência ao setor privado para exploração. Essa mediação do Estado de operar o sistema de radiodifusão foi construída com base em um monopólio, hoje você tem empresas de caráter familiar que operam a radiodifusão no Brasil e a maioria dessas empresas não operam somente a radiodifusão, elas também são proprietárias de jornais impressos, revistas, atuam no mercado editorial de livros, atuam no mercado cinematográfico e audiovisual e no mercado de distribuição. Então, no Brasil, nós temos um monopólio horizontal e vertical de propriedade cruzada, isso é um obstáculo para o diversidade, pluralidade de pontos de vistas e ideias que motivam a nossa sociedade. A democratização da mídia é fundamental para que a gente tenha outros setores da sociedade podendo fazer o uso de um espaço público, para expressar a sua opinião sobre os temas relevantes que estão em curso no país. Para poder produzir informação, poder produzir cultura e fazer com que a gente tenha uma sociedade que possa ter acesso aos vários pontos de vista que produzem narrativa diferente sobre os acontecimentos, para que se possa ter uma consciência mais crítica e uma opinião mais crítica sobre a própria sociedade.

Quais transformações aconteceriam com a democratização da mídia?

Se a gente conseguisse ter um cenário mais democrático não estaríamos a mercê um discurso único que é imposto pela mídia hoje. Se teria uma cidadania melhor, pessoas mais cientes dos seus direitos como cidadãos. Pessoas que por estarem mais cientes estariam mais capazes para fazer cobranças de políticas públicas, para poder participar de forma mais ativa na política no país. A gente teria uma participação social mais relevante, não ser manipulado e não se deixar levar pela opinião dos meios de comunicação que nem sempre é a opinião que está em sintonia com as necessidades e os interesses da maioria da população brasileira. A democratização dos meios de comunicação é indispensável para a democracia no país, sem comunicação não existe democracia. É por isso, por exemplo, que hoje o país passa por uma situação tão difícil, pois nós temos uma mídia hegemônica que tem construído uma narrativa de criminalização dos movimentos sociais e criminalização da política. É uma mídia que defende interesses que impactam na retirada de direitos conquistados pelos trabalhadores, tentam atentar contra os direitos sociais, propagam o preconceito e a criminalização, produzem um discurso do ódio e isso tem como consequência um aumento da intolerância da nossa sociedade. Então acho que se houvesse democratização da comunicação nós não estaríamos passando por nada disso que estamos passando hoje no nosso país.

Qual a sua leitura da cobertura feita pela mídia corporativa durante os protestos de 2013?

Em 2013, houve dois momentos distintos sobre a postura da mídia corporativa durante protestos. Existem alguns exemplos, até um determinado dia era a mesma ladainha da cobertura já tradicional da mídia hegemônica sobre protestos e movimentos sociais, que era o viés da criminalização dos vândalos, dos arruaceiros, dos militantes que estavam na rua atrapalhando o trânsito destruindo patrimônio público. No início dos protestos esse foi o viés da cobertura da mídia hegemônica, mas teve um determinado momento que eles perceberam que os protestos começaram a se disseminar pelo país e começaram a incluir outros segmentos (da sociedade), além dos que já estavam convocando as manifestações contra o aumento das passagens. Teve um momento ali em que os meios de comunicação perceberam que eles poderiam transformar aquele movimento em uma desestabilização do governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. Existem exemplos disso, em um dia o Arnaldo Jabor, articulista da Rede Globo, fez um editorial ao vivo no Jornal da Globo descendo a lenha nas manifestações, o mesmo tom de criminalização, um ou dois dias depois, foi muito rápido, o mesmo Arnaldo Jabor entrou ao vivo para fazer um editorial onde ele mudou. Até chegar ao ponto dos jornais da Globo mudarem completamente a tônica da sua avaliação sobre as manifestações: “é o povo brasileiro nas ruas exigindo o fim da corrupção”. Eles incluíram na agenda, através dos meios de comunicação, a questão da corrupção. Tem esse emblema da mudança de postura que a gente pode usar o exemplo do Jabor, mas também tem editorial o da Folha de São Paulo, que em determinado momento era um editorial de criminalização dos movimentos e logo em seguida já teve um editorial falando da importância da luta do povo e os jornais passaram a divulgar agenda dos atos, onde eles iriam acontecer. Até chegar ao ponto dos jornais da Globo fazerem chamada de convocação do atos, transmissão ao vivo e o esquenta dos atos que eles passaram a cobrir, derrubaram novela para mostrar os dados, uma coisa inédita ou muito rara na história da televisão. Pra mim, o que diferencia esses momentos é alguma percepção que eles tiveram de que eles poderiam capturar aquelas mobilizações, para que elas cumprissem o papel de desestabilizar o governo e canalizar o movimento de oposição que pudesse combinar na derrota da presidente Dilma nas eleições de 2014. A mídia teve o privilégio de ter um meio de comunicação monopolista para mobilizar e manipular a opinião pública em função dos seus interesses privados.

Qual a sua leitura da cobertura feita pela mídia corporativa durante as ocupações feitas por estudantes em 2016?

Em 2016, eles mantiveram o tom de criminalização das ocupações tanto nas emissoras de jornal quanto nas emissoras de televisão. Eles chamavam de “invasão”, poucas vezes utilizaram o termo “ocupação”, a gente diz que no jornalismo as palavras não são vazias de sentido, dependendo da palavra que você usa você dá um tipo ou outro de conotação para o acontecimento que está em curso e isso influencia na opinião pública. Então quando você diz que as escolas foram invadidas, a “invasão” é um ato agressivo que algumas pessoas podem considerar criminoso. Já “ocupação” não tem uma conotação de violência, ela não tem uma conotação de ilegalidade. Os estudantes ocuparam as escolas nas quais eles estudam, a escola é um lugar de convivência do estudante, eles ocuparam para defender a existência daquelas escolas. A mídia manipulou de todas as maneiras possíveis aquele movimento, tentando colocar a sociedade contra os estudantes, tentando principalmente criar um clima de medo para colocar os pais dos estudantes contra os estudantes. Através da mídia, difamou o movimento e isso é uma coisa que a mídia hegemônica costuma fazer na quase totalidade da cobertura que ela faz dos movimentos sociais e da ocupação dos movimentos sociais.

Qual a sua leitura da cobertura feita pela mídia alternativa durante os protestos de 2013?

A mídia alternativa e os protestos de 2013 foram um momento, inclusive de o Mídia Ninja passou a ser conhecido naquela cobertura, que se diferencia totalmente do tipo de cobertura que a mídia hegemônica faz. Porque os meios de comunicação cobrem os protestos do movimento social por meio de helicóptero ou com o distanciamento do repórter fazendo uma passagem uma chamada de cima de um prédio, eles não cobrem as manifestações dando voz aos manifestantes de dentro das manifestações. Não procuram informar para a sociedade quais são as reivindicações presentes naquele movimento, qual é a agenda que eles estão defendendo, quais são as bandeiras de luta, os motivos que levaram aquelas pessoas organizar aquele tipo de protesto, isso não comparece na cobertura dos grandes meios de comunicação. A mídia alternativa faz uma cobertura totalmente diferente, cobertura do chão de quem acompanha a manifestação do começo ao fim, quem dá voz aos protagonistas e organizadores da manifestação não só à eles, mas as pessoas que foram às ruas. Eles fazem ao vivo, é a mensagem da pessoa falando, não é só uma interpretação do fato, mas a vivência do fato. Eu acho que a diferença do modo de fazer cobertura tem um impacto enorme no resultado da cobertura que é efetivamente, você dar visibilidade e dar voz para os personagens daquela luta, o papel da mídia alternativa tem sido esse: de dar voz aos silenciados da mídia hegemônica, levar para a sociedade uma perspectiva diferente sobre os acontecimentos em curso no país. Não existe uma objetividade desinteressada na produção de informação, toda informação que é produzida é a partir de uma perspectiva e você para narrar aquele acontecimento usa de preconceitos, no sentido de conceitos anteriores, da sua formação cultural, da sua bagagem de vida e da linha editorial do veículo para o qual você está trabalhando. Se você está trabalhando para um veículo que tem os artigos econômicos vinculados ao setor agrário, não vai fazer uma cobertura que permite a visibilidade do Movimento Sem Terra, porque você tem interesse econômicos naquela agenda. A diferença é que o movimento social mostra os interesses que estão em torno daquela agenda porque esse campo é o da mídia alternativa, que produz uma contra narrativa.

Qual a sua leitura da cobertura feita pela mídia alternativa durante as ocupações feitas por estudantes em 2016?

Tem duas coisas que a gente precisaria desmistificar para a grande maioria da sociedade: comunicação neutra e imparcial é impossível. Você pode até buscar objetividade, mas objetividade não pressupõe que aquele conteúdo está ausente de valores. Objetividade significa você dizer “uma manifestação aconteceu do MASP até a Praça da República”, isso é uma objetividade. Se você disser “uma manifestação saiu mais ou menos da região da Paulista chegando mais ou menos na região central da cidade”, essa não é uma afirmação objetiva mas a objetividade termina aí, imparcialidade é outra coisa. Imparcialidade e neutralidade significa qual seu ponto de vista acerca daquilo, como você vai narrar essa manifestação quem serão as pessoas que vão dar opinião sobre o que está acontecendo, quem serão os porta-vozes daquela notícia. Os meios de comunicação hegemônicos não garantem pluralidade na hora de fazer o tratamento de uma informação, basta você ver por exemplo a intervenção no Rio de Janeiro. No dia, metade do Jornal Nacional foi para falar da intervenção, em alguns segundos do fim a Renata Vasconcellos falou “a organização Human Rights se manifestou em nota contra a intervenção no Rio de Janeiro”. Isso não é imparcial, a mídia hegemônica brasileira construiu a sua credibilidade para a sociedade a partir da falsa ideia de que eles eram os portadores da verdade e que eles faziam a comunicação desinteressada neutra e imparcial. O bom da mídia alternativa é que ela não diz que está buscando a imparcialidade, ela informa as pessoas de que não existe neutralidade, porque imparcialidade neutralidade são impossíveis. Os meios de comunicação que, por exemplo, são sustentados por publicidade privada que têm interesses econômicos, os meios não são neutros, eles têm um lado. Acho que seria mais honesto se as pessoas que recebem formação de um veículo fossem conscientes de que tipo de opinião que tipo de interesse e posicionamento aquele grupo tem na sociedade, em outros países é assim e isso é muito democrático.

Na sua visão a mídia alternativa evoluiu no Brasil durante esse período de 2013 em diante? No sentido do conteúdo informativo ter se desenvolvido mais?

Os estudantes se empoderaram das ferramentas de comunicação e mostraram que nós estamos passando por um momento de quebra de paradigmas. As novas tecnologias criaram uma nova realidade, onde a sociedade não é mais refém de uma comunicação que parte de um polo para milhares, que é o sentido da comunicação tradicional. A ideia da radiodifusão e do jornal era o fluxo da informação que parte de um para muitos. Nós não precisamos mais desses intermediários para produzir informação, a mídia alternativa é um empoderamento da sociedade na produção da sua própria informação. Os estudantes das ocupações aproveitaram isso e exercitaram esse empoderamento produzindo informação sobre o dia-a-dia das ocupações e o que estava acontecendo lá dentro, isso foi importante para de alguma maneira anular aquela tentativa de imposição de um medo do que poderia acontecer com os estudantes e de colocar a sociedade contra o movimento. Porque muitas pessoas passaram a ter informação a partir dos próprios estudantes ocupados e puderam ver a beleza daquele movimento, a capacidade dos estudantes de fazerem autogestão e organizar as tarefas internas da ocupação. Isso fez com que a postura de criminalização da mídia hegemônica tivesse um impacto um pouco menor, não que não tenha tido impacto. O crescimento da mídia alternativa acaba confrontando em alguma medida o papel de manipulação da mídia hegemônica, é claro que ainda nem todo mundo tem acesso a mídia alternativa, a gente ainda fala para uma determinada bolha que a bolha construída pelos algoritmos do Facebook, mas mesmo assim isso já é muito mais do que antes. A internet foi uma ferramenta para a gente ter acesso a esse outro tipo de informação da luta de vários movimentos sociais e até de conquistas, porque as ocupações tiveram uma conquista objetiva e isso se deve tanto a luta quanto à possibilidade de comunicar e fazer que uma parcela da sociedade em favor dessa mídia alternativa e se colocar a favor das ocupações.

Eu acho que o conteúdo da mídia alternativa se desenvolveu mais, existem dois tipos de conteúdo que é produzido pela mídia alternativa. Parte do conteúdo está mais relacionado à opinião e análise que é importante também porque são artigos e opiniões que ajudam que as pessoas reflitam sobre os acontecimentos, mas eu acho também que a gente tem conseguido produzir informação primária, informação jornalística, cobrir os fatos enquanto os fatos estão acontecendo e não apenas dar o tratamento aos fatos cobertos pela mídia hegemônica. Tem muitos coletivos fazendo isso com os Jornalistas Livres, a Mídia Ninja, a Rede Brasil Atual, a Rádio Brasil Atual, a Carta Capital… Então existe uma ampliação do campo da mídia alternativa que produz informação, produz opinião e isso é o que tem fortalecido o papel destes meios na disputa de narrativa da sociedade.

A iniciativa da Mídia Ninja em 2013 influenciou o surgimento de outras mídias alternativas posteriormente?

Acho que eles começaram uma coisa nova e isso inspirou o surgimento de novos coletivos de pessoas que passaram a utilizar as ferramentas o Mídia Ninja utiliza. Eles fizeram também muita oficina pelo país para fazer com que as comunidades empoderassem. Antes do Mídia Ninja já tinha algumas experiências de redes ligadas à cultura e comunicação, mas acho que o Mídia Ninja foi aquela feliz coincidência: as pessoas certas, no lugar certo, na hora certa, com a ideia certa. O que foi bem sucedido, eles dão uma inspiração para construção de novas narrativas na sociedade.

Na Mídia Alternativa há muitas pessoas que não são jornalistas. Você acredita que a falta de técnica jornalística poderia afetar a qualidade e profundidade das informações cedidas?

Os infográficos da folha, este o modo da Folha de fazer jornalismo, que inclusive sustenta a falsa ideia de que eles estão sendo neutros na circulação da informação. Esses recursos, muitas vezes, são usados para manipular opinião, dados não são matematicamente objetivos. A mídia independente usa muitos dados, muitas informações de fontes diversas. A mídia alternativa reivindica que a comunicação não é propriedade dos jornalistas, que os coletivos e as comunidades podem fazer sua própria comunicação. Então é uma outra forma de comunicação, mas os grandes portais da mídia alternativa são construídos por jornalistas, existe o Manchetômetro que trabalha com muitos dados na cobertura da mídia, tem o Repórter Brasil que trabalha com dados trabalhados a partir de pesquisas públicas no país, a Agência Pública nas suas reportagens traz muito dados e o El País Brasil, por exemplo.

O que podemos entender é que os grupos, os sites, os blogs, a mídia alternativa é muito diversificada, a gente pode dizer que tem de tudo. O que forma essa mídia alternativa é muita gente, são pessoas que percebem que foram silenciadas por décadas e que a partir das novas tecnologias de comunicação perceberam que podiam falar. Tem muita gente que é comunicador e que não é jornalista, se por um lado essas pessoas não possuem o domínio das técnicas jornalísticas o que pode reduzir a qualidade da informação, porque reduz a objetividade, porque torna mais confuso a informação que é tratada. Por outro lado você tem um ganho que são as pessoas que vivem os problemas cotidianos falando desses problemas, tentando cobrir esses problemas e cobrindo um leque muito mais amplo de notícias do que a mídia corporativa em um jornal. Você tem o processo de seleção daquilo que vale ou não ser publicado, na mídia corporativa que é enorme, quantos acontecimentos ocorrem por dia que tem relevância a serem lançadas à condição de notícia, mas quantos por cento desse mundo de informação de fato se transforma em notícia. A mídia alternativa, pela sua diversidade, consegue com que esses acontecimentos todos se transformem em informação, de fato você tem aí uma diversidade. A gente do Barão de Itararé tem falado que é muito positivo que as pessoas assumam essa tarefa de comunicar, essa comunicação também tem que ficar clara. Porque as pessoas precisam ter o direito de identificar melhor o que é notícia e o que é opinião e muitas vezes os coletivos não sabem diferenciar o que é uma coisa da outra, confundem muito. Então é preciso também fazer uma formação desses coletivos, porque a maioria deles é compostas por donas de casa e trabalhadores que querem fazer uma comunicação. Então é isso é muito positivo, mas isso não dispensa o processo de formação. O Barão de Itararé promove cursos de formação de comunicadores, tentando trazer algumas ideias gerais de como produzir uma notícia e de como fazer uma reportagem.

A gente tem que tomar cuidado quando a gente fala em mídia alternativa. Quando a gente fala em mídia corporativa hegemônica, a gente também tem que tomar um cuidado com a generalização. Porque você tem desde o jornal de bairro até o nacional, mas quando a gente fala dessa mídia hegemônica corporativa não estamos falando do jornalzinho pequeno, a gente está falando das grandes corporações, é mais fácil você generalizar até porque eles são um bloco único. Agora a mídia alternativa é um negócio que não tem classificação, às vezes eu vou nos lugares falar e cada grupo se auto-intitula de um jeito e você tem que respeitar a forma como as pessoas se reconhecem. Então a gente fala de mídia alternativa independente, popular, comunitária, livre, são cinco classificações de uma coisa que a gente compreende ser mais ou menos o mesmo bloco. Você tem coletivo de cultura, de jornalistas, só de comunicadores, é muito diverso então quando a gente fala na mídia alternativa é uma coisa que precisa ser contextualizada para que essa afirmação não induza um erro de avaliação, é muito importante criar mecanismos de fortalecimento dessa coisa enorme que a gente chama de mídia alternativa para que as pessoas que querem produzir informação produzam da melhor maneira possível.

Na sua visão, a linguagem da mídia alternativa e as plataformas que eles utilizam conseguem interagir melhor com o público, especialmente os mais jovens, do que a corporativa?

Como a mídia alternativa tem o compromisso de fazer uma comunicação que aprofunde os temas para que as pessoas tenham mais acesso à informação. Ao aprofundar os temas você entra em coisas que são complexas. A mídia hegemônica não tem interesse em aprofundar os temas, a mídia hegemônica quer fazer grandes manchetes. Ela não explica de forma fiel o que é Reforma da Previdência, mas a mídia alternativa tem interesse em aprofundar os temas, porém eles são complexos. O desafio é como traduzir temas tão complexos para uma linguagem mais leve e acessível, para a grande maioria da população. Como por exemplo o tema da democratização da informação, quando a gente vai falar dos problemas relacionados a privatização do sistema de telecomunicações, só o nome já é complexo. Aí você vai falar dos bens reversíveis do problema, do tipo de regime que o serviço de telecomunicação que é prestado no Brasil, então já começa a entrar numa linguagem que as pessoas não entendem e isso é muito difícil. Como fazer uma informação mais aprofundada de qualidade de uma maneira mais clara, acho que tem alguns veículos da mídia alternativa que tem conseguido ser mais bem-sucedido nisso, tem outros que estão tentando e é um processo de aperfeiçoamento. No Brasil isso é um desafio ainda maior, porque a gente tem um grande número de pessoas com analfabetismo funcional ou analfabetos. Mesmo os alfabetizados, no Brasil, não estão habituados a leitura, é muito baixo o índice de leitura da sociedade brasileira, o nível educacional e cultural, mesmo das pessoas alfabetizadas, é muito baixo. Estamos falando de uma sociedade que foi embrutecida e que foi emburrecida pela mídia hegemônica, que nunca teve interesse em fazer com que as pessoas se apropriar diretamente das fontes primárias de informação.

De que forma as coberturas feitas pelas mídias corporativas e radicais repercutiram e repercutem na crise atual que envolvem os três poderes da república: executivo, legislativo e judiciário?

Eu acho que a crise que nós vivemos é responsabilidade da mídia corporativa hegemônica. No país, eles criaram essa crise, nós do Barão fazemos uma análise do processo político que aconteceu no país desde o início da campanha da desmoralização da ex-presidente Dilma Rousseff, que culminou no seu impeachment. É um processo que a gente caracteriza como um golpe midiático, jurídico, parlamentar, onde o midiático talvez tenha sido o elemento determinante para o sucesso dos objetivos, que levaram à elite a destituir a presidente eleita. Não tinha nenhuma denúncia contra ela que justificasse o seu afastamento da presidência, desde que houve uma mudança nas forças políticas que assumiram país em 2003, com a eleição do Lula, a mídia passou a ter um papel de oposição ao governo. Em um primeiro momento uma posição mais dócil, só que com o passar dos anos o tom de agressividade foi aumentando, à medida que a campanha desenvolvida pela mídia não estava dando impacto nas urnas. Mesmo elevando o tom das críticas e das denúncias eles não conseguiram impedir a continuidade do projeto político, que era diferente do projeto político que eles tinham para o país. Eu não tenho a menor dúvida que os meios de comunicação criaram um ambiente em que a opinião majoritária na sociedade, a partir da manipulação da informação e da reprodução diária de opinião, no sentido de construir opinião contra o governo, levou a situação política que nós vivemos hoje. Para mim, o papel da mídia hegemônica foi muito claro e eles são responsáveis por tudo que a gente tá vivendo. Uma emissora de televisão colocar em cadeia nacional um áudio vazado de um presidente da república, o que aconteceria nos Estados Unidos se a CNN colocasse no ar um áudio um áudio vazado de uma forma ilegal de um presidente da república. Isso é uma coisa completamente irregular em qualquer país. É um escândalo que um presidente ocupe um programa dominical para defender uma proposta que divide o país, que não foi aprovada, fazendo uma campanha pela Reforma da Previdência, que foi o que o Temer foi fazer no Sílvio Santos. Na nossa Constituição é vedado proselitismo político, a campanha de interesse público, por exemplo, é uma campanha sobre informações de prevenção da febre amarela. Eu acho que a mídia alternativa tem procurado fazer a contra narrativa do que está em curso no país, a previdência no Brasil é um exemplo de como a mídia alternativa está trazendo dados para desmitificar os dados errados e mal trabalhados que a mídia hegemônica está trazendo. O papel da mídia alternativa tem sido esse de fazer uma resistência, dando a possibilidade para as pessoas de refletir e a partir dessa reflexão construir uma convicção sobre o que tá acontecendo no país e quem sabe despertar uma consciência melhor à sociedade.

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Mídia Radical x Mídia Empresarial
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Divulgação das entrevistas do protejo de iniciação científica, cujo objetivo é comparar as coberturas de protestos feitas pelas mídias radicais e empresariais.

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