Entrevista com Raíssa Galvão, integrante do Mídia NINJA

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Raíssa Galvão atua no Mídia NINJA desde de sua fundação em 2011. Ela fazia parte do Núcleo de Redes Sociais, atualmente está da Editoria de Opinião e também é gestora do Núcleo de Design.

Introdução feita por Raíssa

O Mídia Ninja surge da experiência do coletivo Fora do Eixo, a partir da cobertura de festivais de música, transmissões de shows ao vivo, releases e fotos dos eventos. A gente desenvolveu no Fora do Eixo uma tecnologia de divulgação, tínhamos estruturado todo um sistema de comunicação que atuava para a cultura. Em 2011, foi criado uma casa coletiva em São Paulo, cerca de 20 pessoas de vários lugares do Brasil foram morar na casa. No mesmo período, começamos a ter mais relações com jornalistas e com os movimentos sociais. Tudo que a nós já fazíamos nesse campo da cultura, nós começamos aplicar nos movimentos sociais. Se ia ter uma ato a gente começava a fazer a divulgação, fazia um cartaz para o aquele ato, fazia a cobertura, entrava ao vivo e tirava fotos.

O Mídia Ninja surge com o intuito de dar voz aos movimentos sociais, a gente sente uma necessidade muito grande de dar visibilidade, de dar vazão aos movimentos sociais.

Nós víamos também uma crise muito forte do sistema jornalístico como um todo, nas grandes redações estavam demitindo vários profissionais. Outros que continuavam trabalhando dentro delas estavam insatisfeitos, os que saíram não tinham muitas perspectiva sobre o que fazer e queriam buscar algo alternativo às redações.Colocar no relatório Porque existia uma crise ali, quem trabalhava nas grandes redações recebia mal, tinha muito trabalho, não conseguia fazer exatamente o que queria, tinha censura, tinha várias pequenas delicadezas do dia-a-dia, que faziam com o que a redações se tornassem espaços totalmente delicados e improdutivos para quem queria fazer jornalismo. A gente entendeu esse momento como uma oportunidade de lançarmos uma nova alternativa, um novo veículo que tem como objetivo dar voz aos movimentos sociais e fazer uma produção jornalística diferente, com uma abordagem mais próxima do que a gente acreditava, dando ênfase para as pautas que a gente acreditava.

Entendendo, também, que a gente tinha lado, esse fato gerou muito debate, muita gente pergunta: “vocês são imparciais?”. Na verdade, a gente nunca se disse imparcial, a gente assume a nossa parcialidade, estamos do lado dos movimentos sociais. Com essa parcialidade conseguimos alcançar o nosso objetivo de abrir espaço para novas narrativas, que não estão sendo mostradas nas grandes mídias.

Em 2013, quando explodem as ruas em junho, a gente já tinha um sistema de cobertura ativo. Nós lançamos o Mídia Ninja em março de 2013, foi antes, muitas gente acha que o surgimos por causa das manifestações. Nós já tínhamos feito várias coberturas, já tínhamos um sistema de pessoas que participavam do Mídia Ninja, como jornalistas e outros colaboradores.

Como é feita a cobertura de acontecimentos?

Existia uma rede de colaboradores e esse grupo funcionava de forma bem colaborativa, nós tínhamos um mapeamento de pautas da semana, pensávamos em quais eram as coisas que iam acontecer na semana. A gente dividia essas pautas pensando em quem poderia cobrir cada coisa, tínhamos reuniões gerais de planejamento, nas quais era decido como iríamos fazer as coberturas, se seriam fotos ou vídeos e como seria o texto, a gente ia pensando junto. Quando chegava no dia, a gente se dividia, cada equipe ia para um lugar onde estavam as atividades que iríamos cobrir. Sempre tinha uma equipe de base, que é quem fica recebendo esses conteúdos e dando vazão a eles. Eles recebem, editam, tratam a foto, acrescentam mais informações, fazendo um textinho básico para poder publicar o conteúdo. Nos comunicavamos entre si por chat de facebook e email.

A decisão da linha editorial da empresa (ou coletivo) foi feita de maneira participativa?

Sim, temos uma linha editorial muito clara, temos pautas e movimentos que acompanhamos sempre de perto e a abordagem desses conteúdos que acompanhamos é muito clara, sempre busca estar do lado dos movimentos sociais. Desde que começamos nossa linha editorial é construída em conjunto e em fluxo contínuo, vamos tomando as decisões coletivamente. Temos um conselho editorial que tem cerca de cinquenta pessoas e são pessoas que estão o tempo inteiro fazendo provocações, fazendo sugestões tanto de pautas quanto de abordagem. Temos pessoas que estão ligadas a produção direta do conteúdo e pessoas que chamamos de “corpo docente” que estão ajudando a gente a pensar e debater esses temas que estamos trabalhando, mas tudo é debatido coletivamente e vamos chegando em consensos e nada é eternos, as coisas estão sempre em fluxo.

Em 2016, ampliamos o “corpo docente” de 30 para 50 pessoas mais ou menos, temos mais gente pensando e colocando energias nisso. Em 2016, durante a cobertura das ocupações, tudo era decidido de forma coletiva.

A cobertura sempre concorda com os pontos de vista da linha editorial?

Se alguma pauta está muito fora dos temas da linha editorial, a gente debate. Uma vez alguém da equipe sugeriu de publicarmos algo sobre o Bolsonaro, era uma notícia negativa sobre ele e a gente pensou e decidimos não publicar, porque não queríamos dar visibilidade para esse político. O que nós estávamos interpretando como algo negativo sobre ele, o Bolsonaro podia utilizar como divulgação para seus seguidores.

Existe alguma forma de censura interna?

Em conjunto debatemos e chegamos ao consenso do que vamos ou não publicar. Nós temos colunistas que colaboram com o site, já publicamos colunas com opiniões divergentes uma da outra, não tem problema, é dinâmico.

Há utilização de técnicas visando a objetividade factual?

Às vezes a gente opta por se posicionar, como por exemplo: se tem uma ocupação do MST que está passando por uma reintegração de posse e a polícia entra batendo, nesses casos nós fazemos chamadas tipo “Absurdo: polícia ataca violentamente ocupação”. A gente adjetiva e a gente toma posição sobre os acontecimentos.

Como é a política de colaboração da empresa (ou coletivo)?

O Mídia Ninja possui essa equipe mais orgânica, são os colaboradores que já estavam organizados, faziam parte das reuniões de pauta e já estavam mais integrados. Mas a gente recebia conteúdos diversos de outras pessoas, sempre recebemos muita coisa do público e incentivávamos isso. Sempre publicamos frases como “somos todos ninjas”, “seja ninja você também”, “mande seu conteúdo”. Entendemos que são diferentes pontos de vista e é importante que a gente consiga mostrar cada uma das situações, muitas vezes não tem mais ninguém próximo, então aceitamos o conteúdo desses cidadãos multimídias. Esses conteúdos eram mandados pelo inbox da página ou pelo email. Em 2016 nós tivemos mais colaboradores do que em 2013, mais pessoas que chegam com projetos mais elaborados e prontos, por exemplo uma reportagem que o colaborador quer fazer. Antes também havia espaço para essas publicações mais elaboradas, mas as pessoas não traziam tanto, em 2016 as pessoas já trazem as coisas mais organizadas nesse sentido.

As pessoas de sua organização possuem o mesmo peso de decisão?

Elas têm o mesmo peso de decisão, mas tem pessoas que tem mais acúmulo dentro do processo, mais experiência para colocar algumas coisas. Às vezes entra um colaborador novo tomando alguma decisão precipitada, nós vamos argumentar com ele e mostrar outros pontos de vista sobre aquilo, para a pessoa entender que não necessariamente aquilo que ele propôs vai ser feito da maneira que ele quer. Existe uma margem de argumentação e contraposição que é dada para esses processos democráticos.

Como é feita a divisão de cargos?

Temos uma divisão de tarefas, mas ao mesmo tempo cada um é produtor multimídia que se vira caso precise. Tem o núcleo audiovisual, o núcleo de redes sociais, o núcleo de fotografia, o núcleo de design, enfim, todas linguagens têm pessoa dedicadas especificamente para isso.

Todos os produtores de conteúdo em sua organização são formados na área de jornalismo?

Não, formados em jornalismo devemos ter duas ou três pessoas no máximo. Alguns começaram a cursar e largaram e outros são de áreas diferentes. Eu pessoalmente, comecei um curso de Comunicação Social e larguei. O Mídia Ninja sempre teve variedade nas formações aqui dentro, desde o início até agora.

Qual a sua contribuição dentro da organização?

Eu trabalhei muito tempo no Núcleo de Redes Sociais. Agora eu estou na Editoria da Opinião, acompanhando os colunistas e no de Design também.

Você acredita que a internet pode ser um instrumento para a democratização do poder comunicacional?

Com certeza, a Preta-Rara fala muito isso, que a comunicação é poder. Se você tem comunicação, se você tem espaço de fala, você tem poder. Ela ficava muitas vezes vendo televisão, via que ela não tinha espaço e nem visibilidade para aquilo. Ultimamente, ela consegue com o Facebook, ela criou uma página chamada “Eu empregada doméstica” que tem muitos seguidores. É lá que ela conta suas histórias, trazendo para pauta aquilo que ela acredita, conseguindo, assim, ter voz e alcançar mais pessoas. É lógico que a internet tem uma série de limitações, no sentido prático do acesso, porque mais da metade da população mundial não tem acesso à internet. Também tem o problema em relação a forma com que ela é utilizada hoje, como o Facebook, que possui o problema do algoritmo e é um software fechado e empresarial. Mas ao mesmo tempo você consegue criar seu conteúdo publicar ele e passar para mais pessoas. A internet é sim um instrumento de democratização.

Quais equipamentos são utilizados durante a cobertura dos acontecimentos?

A gente tinha câmeras, celulares, notebook e internet 3g. A gente parava muito em postos de gasolina e restaurantes para poder carregar a bateria. Em 2016, a adquirimos algumas baterias externas, mas não é todo mundo que tem. As câmeras melhoraram um pouco e internet é 4g, mas a base de equipamentos é mais ou menos a mesma.

Em quais plataformas são veiculados os conteúdos produzidos por sua organização?

Em 2013, a gente tinha principalmente o Facebook e o Twitter mas não dávamos tanta atenção assim para ele. Usávamos muito o Twitcasting que era para fazer as transmissões ao vivo, que gerava o link no Twitter, aí a gente publicava o link no Facebook, mas não tinha ainda como fazer um “ao vivo” no Facebook. A gente tinha um Flikr para postagem de fotos também. As plataformas em 2016 passaram a oferecer mais possibilidades, um aprimoramentos das mesmas plataformas e dos mesmo equipamentos. Fizemos mais ao vivo no Facebook, e pouco no Twitter, usamos o periscope e deixamos de usar o Twitcasting, usamos também o Youtube, o Instagram, o Medium e o Flikr. O Youtube já era usado em 2013, mas aprimoramos mais ele, no sentido de ter conteúdos mais qualificados e vídeos mais temporais com pautas específicas. O Telegram a gente incorporou para usar como chat de colaboradores. Temos um site que foi criado em 2014, mas em abril de 2017 lançamos um novo site que é o midianinja.org que por enquanto está mais voltados aos colunistas. Outro detalhe é que hoje em dia conseguimos tratar a foto direto do celular, em 2013 tínhamos que passar para o computador.

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Mídia Radical x Mídia Empresarial
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Written by Mídia Radical x Mídia Empresarial

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Divulgação das entrevistas do protejo de iniciação científica, cujo objetivo é comparar as coberturas de protestos feitas pelas mídias radicais e empresariais.

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